- Author, Nicholas Yong
- Role, De Singapura para a BBC News
A Operação Jaywick — um plano ousado dos aliados que resultou em uma das operações de sabotagem mais bem-sucedidas na Segunda Guerra Mundial — está completando 80 anos esta semana.
A receita da operação parece ser a mesma de um roteiro de um filme de ação: mande 14 combatentes e tripulantes, australianos e britânicos, da Austrália para Singapura (na época, ocupada pelos japoneses). Eles irão navegar por milhares de quilômetros em um barco de pesca a motor, rebatizado com o nome de Krait.
Os homens devem estar vestidos com sarongues e sua pele deve ser pintada de marrom, para confundi-los com pescadores malaios. Eles estacionam o barco ao largo da costa de Singapura e, depois, remam até o porto de Keppel em canoas desmontáveis, ocultos pela escuridão.
Por fim, eles instalam minas com detonação programada nos navios japoneses antes de fugir.
O ápice da operação aconteceu na noite de 26 de setembro de 1943, quando foram instaladas as minas. No dia seguinte, sete navios japoneses, pesando um total de cerca de 30 mil toneladas, foram afundados ou gravemente danificados.
Todos os 14 homens retornaram com segurança para Exmouth, na Austrália Ocidental, para contar a história da sua viagem de 48 dias – mas não sem antes encontrar um navio de guerra japonês, que navegou ao lado deles nas águas da Indonésia por cerca de 20 minutos. O encontro quase fez a tripulação explodir seu próprio barco, com a proa carregada de potentes explosivos.
“Meu pai contou a um jornalista: ‘teríamos afundado o navio japonês e a nós'”, relembra Brian Young, de 80 anos, filho do tripulante e operador de rádio do Krait, Horrie Young. “Aquele navio simplesmente mudou de direção e foi embora, sem nenhum motivo. Todos eles agradeceram à sua sorte, imagino.”
Oitenta anos se passaram e a Operação Jaywick continua a atrair a imaginação popular. Ela foi contada em diversos livros, documentários e adaptações para a TV e o cinema. O Krait está em exibição no Museu Marítimo Nacional da Austrália, em Sydney, desde 1988.
“O planejamento, a execução e a completa audácia de uma incursão de quase 3,2 mil quilômetros pelas linhas inimigas simplesmente não tinham precedentes”, afirma o especialista naval Stirling Smith, do Museu Marítimo Nacional da Austrália.
A missão foi conduzida por uma força-tarefa chamada Unidade Especial Z – uma unidade conjunta dos aliados que realizava reconhecimento e sabotagem atrás das linhas inimigas. Ela foi liderada pelo então capitão Ivan Lyon, que recrutou e treinou os homens envolvidos.
Ian Li, do programa de estudos militares da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam, em Singapura, relembra que a Operação Jaywick foi um exemplo primoroso de guerra assimétrica, décadas antes que a expressão fosse criada.
Em alusão aos recentes relatos de ataques conduzidos em unidades pequenas pelas forças especiais ucranianas contra diversos alvos russos, Li afirma: “de forma similar a Jaywick, estes ataques têm valor simbólico além do operacional e ajudam a manter o adversário em alerta, advertindo que ninguém está ‘seguro'”.
Li reconhece que o ataque não teve “impacto decisivo” – a maior parte dos navios danificados foi reparada pelos japoneses e retomou suas operações em questão de semanas. Mas o efeito psicológico foi muito maior, já que o porto era considerado uma fortaleza segura, fora do alcance dos aliados.
“Este ponto, além do fato de que eles nunca descobriram como o ataque foi realizado, fez com que, até o fim da guerra, eles destacassem tempo e pessoal valioso para vigiar e proteger [o porto], em vez de lutar em outros lugares”, explica Smith.
Mas o ataque também trouxe consequências indesejadas para a população civil de Singapura, depois que os aliados voltaram atrás na sua decisão de divulgar a operação. Eles esperavam realizar ataques similares no futuro.
Convencidos de que os responsáveis eram prisioneiros da cadeia de Changi, em Singapura, a polícia militar japonesa invadiu as celas e interrogou 57 detidos no dia 10 de outubro. Quinze deles foram torturados até a morte, no que ficou conhecido como Incidente de 10/10.
Young nasceu quando seu pai estava destacado para a missão. Ele contou à BBC que seu pai raramente falava sobre suas experiências na época da guerra.
“A única coisa que meu pai costumava dizer era que ele simplesmente lamentava que os moradores locais tenham levado a culpa pelo que aconteceu”, ele conta.
Em 1944, um grupo de 23 homens liderados por Lyon, já tenente-coronel, tentou bombardear novamente o porto, mas foi descoberto pelos japoneses. Todos eles morreram em batalha ou foram executados posteriormente.
Atualmente, todos os tripulantes do Krait já morreram, mas sua história continua assombrando seus descendentes. “Meu pai e seus companheiros eram todos iguais: eles não gostavam de ouvir nenhuma história sendo exagerada”, conta Young.
Ele se lembra do tripulante Arthur “Joe” Jones, que visitava seu pai com frequência para conversar. Os colegas relembravam suas histórias do tempo da guerra, como quando tingiram seus corpos para a missão.
“Eles diziam que um japonês precisaria chegar a até 100 metros de distância para conseguir discernir que eles não eram moradores locais”, ele conta.
Evan Morris é filho do médico Ron Morris, que atuou na operação. Ele declarou à BBC que “apenas depois que meu pai morreu, comecei realmente a tentar descobrir mais [sobre a Operação Jaywick]. É uma história de heroísmo absoluto”.
Sua pesquisa culminou em um livro chamado The Tiger’s Revenge (“A vingança do tigre”, em tradução livre), que, segundo ele, foi escrito para sua família e para os netos.
Como Brian Young, Ron Morris não falava muito sobre a guerra. Mas seu filho se lembra bem de uma das coisas que ele disse.
“Não existem heróis. Se você não tiver medo, você é um idiota.”