- Author, Margarita Rodríguez
- Role, BBC News Mundo
Primeiro, vêm a beleza, a atração física e o desejo sexual. E, se tudo for além das aparências, talvez você se encontre subindo a Escada de Diotima.
Sabemos sobre ela graças a Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.). Em uma obra de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.), ele recorda as lições que aprendeu daquela mulher “muito sábia”.
Segundo Sócrates, Diotima dizia que “o desejo pelo corpo” de uma pessoa que consideramos bonita é “apenas o primeiro degrau de uma escada” que nos leva a valorizar “a forma da beleza”.
Ele é um meio para o “fim superior” de apreciar a ideia abstrata da beleza, segundo Warburton.
Diotima acreditava que “para aprender sobre a beleza, é preciso reconhecer, em primeiro lugar, a beleza física do amante desejado”. E, se você for racional, irá também admirar a beleza física de outras pessoas.
Subimos então ao degrau seguinte, para “observar a beleza que fica além das aparências, a beleza da sabedoria e do conhecimento, a beleza de mentes belas, mesmo aquelas que residem em corpos que não são particularmente bonitos”.
O último degrau é conseguir “reconhecer a forma da própria beleza, a noção abstrata, pura, geral da beleza”. Nela, também estão presentes as “qualidades morais da bondade”.
Desta forma, Diotima acreditava que, se você ficar encantado com o físico de uma pessoa, você estará subindo o primeiro degrau de uma escada que pode levar você “a apreciar, de forma mais intelectual, a beleza universal”.
Diotima é uma dentre quatro figuras femininas de destaque na filosofia grega que merecem ser apresentadas.
Diotima e o amor
Mariana Gardella é doutora em filosofia e professora da Universidade de Buenos Aires, na Argentina. Ela é a autora do livro Las Griegas: Poetas, Oradoras y Filósofas (“As gregas: poetas, oradoras e filósofas”, em tradução livre).
“É verdade que existem poucas evidências sobre as filósofas gregas, mas isso não costuma ser impeditivo quando estudamos certos filósofos gregos sobre os quais também não temos muitas informações”, explicou ela à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Para ela, “sempre se lança um manto de dúvida sobre as filósofas que, às vezes, acaba sendo um pouco excessivo – e os estudiosos observam os testemunhos com profundo ceticismo”.
Seu livro abordou o tema do ponto de vista contrário: acreditar um pouco mais nos poucos testemunhos e fontes existentes. Mas ela adverte que Diotima é uma figura complicada: “existem muitas dúvidas se ela realmente existiu”.
A obra de Platão na qual Sócrates apresentou os ensinamentos de Diotima é O Banquete. O texto em que ela aparece como personagem é dedicado ao eros, ao amor.
“E, na vez de Sócrates falar sobre o amor, ele diz que irá mencionar o discurso que ouviu de Diotima, que é especialista em assuntos eróticos”, prossegue a professora.
“Sócrates também afirma que ela é sacerdotisa da cidade de Mantineia e, além de conhecer os assuntos do desejo e ter sido sua professora, ela ofereceu sacrifícios aos deuses para retardar a chegada de uma peste.”
De fato, na obra de Platão, Sócrates afirma: “Tudo o que sei sobre o amor, devo a ela.”
Em um trecho do diálogo entre ambos, Diotima faz uma pergunta sobre o amor e Sócrates responde que, se ele soubesse a resposta, “não admiraria sua sabedoria, nem procuraria você para aprender essas verdades”.
Mas voltemos às dúvidas. Martini Fisher é historiadora e escritora australiana, autora do artigo Diotima and the Philosophy of Love (“Diotima e a filosofia do amor”, em tradução livre).
No artigo, ela defende que os eruditos da Alta Idade Média e da Antiguidade nunca questionaram a existência de Diotima, que teria vivido no século 5 a.C.
“Os primeiros textos sobre Diotima também demonstram que ela era respeitada por suas habilidades e sua posição na sociedade”, explica Fisher. “Por exemplo, a comédia O Eunuco, de Luciano, escrita no século 2 d.C., começa mencionando Diotima, Targélia e Aspásia, como prova de que houve mulheres filósofas.”
Em um livro emblemático sobre o tema, Historia Mulierium Philosopharum (“A história das mulheres filósofas”, em tradução livre), de 1690, Giles Ménage também não coloca em dúvida a existência de Diotima.
Mas pesquisadores posteriores, como o filósofo americano Allan Bloom (1930-1992), acreditam que Diotima não tenha existido. Chegou-se a cogitar a possibilidade de que ela fosse o reflexo de outras mulheres da época.
A filósofa Zoi Aliozi, mencionada pelo escritor britânico Will Buckingham, afirma que, seja ela “fictícia ou não, sua vez teve poderosa influência nos argumentos de Sócrates e, portanto, na história da filosofia como a conhecemos”.
Por outro lado, o Museu do Brooklyn, nos Estados Unidos, destaca, em um breve texto sobre Diotima, que “em O Banquete, praticamente se atribui a ela a invenção do método socrático de perguntas e respostas”.
“Contrariando os argumentos de que Diotima seria uma criação literária que serviu de porta-voz a Platão, acadêmicas feministas observaram, nas suas palavras, uma visão ‘feminina’ de uma ética do cuidado que a diferencia dos seus contemporâneos masculinos”, conclui o texto do museu.
Mas, para Gardella, o importante é “dar a ela o devido valor”.
“Não se sabe ao certo se as coisas foram assim, mas este não pode ser um impedimento para que se faça um esforço de contar uma nova versão da história da filosofia, diferente da canônica, incluindo as vozes dessas mulheres, reais e de historicidade duvidosa, que nos permitem entender como elas eram observadas e representadas.”
Temistocleia, professora de Pitágoras
No século 6 a.C., surgiu uma figura que temos certeza de que existiu.
O importante historiador grego Diógenes Laércio (180-240) nos conta sobre Temistocleia, embora o filósofo Porfírio (c. 234 – 304/309), no livro A Vida de Pitágoras, refira-se a ela como Aristocleia.
Seja qual for o seu nome, o fato é que os dois escritores destacam que ela foi professora de Pitágoras (571/570 a.C. – 500/490 a.C.) e ensinou a ele as doutrinas éticas.
Acredita-se que ela tenha sido sacerdotisa, ligada ao culto do deus Apolo.
“A biografia de Pitágoras é enriquecida pela presença de muitas filósofas”, explica Gardella. “Temistocleia é sua professora, Teano é sua esposa ou discípula e ele tem três filhas filósofas: Myia, Damo e Arignote.”
De fato, Pitágoras foi o primeiro filósofo a aceitar mulheres discípulas. Ele chegou a ser chamado de feminista.
Há quem acredite que a influência de Temistocleia sobre Pitágoras tenha sido um dos motivos que levaram o matemático a permitir professoras na sua escola.
“As mulheres não são incorporadas aos grupos pitagóricos como esposas, mas como filósofas”, segundo Gardella. “Elas aprendem as doutrinas de Pitágoras e as ensinam, elas transmitem esse conhecimento. Este é o caso típico de Temistocleia.”
Hipárquia, a cínica
A jovem Hipárquia (c. 350 a.C. – c. 280 a.C.) pertencia a uma família aristocrática. Ela tinha muitos pretendentes ricos, nobres e belos, mas recusou a todos.
Ela havia se apaixonado perdidamente por um homem mais velho, o filósofo Crates de Tebas (c.365 a.C. – c.285 a.C.). E disse aos seus pais que, se não a deixassem se casar com ele, ela colocaria fim à própria vida.
“Seus pais pedem a Crates que a convença a não se casar com ele”, conta a pesquisadora.
Ele tentou atender ao pedido de diversas formas, até que, um dia, “ele tira a roupa em frente a ela e diz: ‘este é o noivo e estes são meus bens. Se você quiser viver comigo, precisa viver como eu vivo.'”
Era o século 4 a.C. e Crates era cínico, discípulo de Diógenes de Sinope (412 a.C. – 323 a.C.), também conhecido como Diógenes, o Cínico – ou “o Cão”. E Hipárquia renunciou a todas as suas riquezas e comodidades para se casar com ele.
“O matrimônio é mencionado nas fontes e é chamado de ‘casamento de cães'”, prossegue Gardella. “O cão é um símbolo muito importante para o cinismo porque os cínicos se propunham a viver como cães.”
“Cínico”, em grego, significa “canino”, que se comporta como um cão.
“A ideia era viver com simplicidade, com o mínimo possível, de forma independente, libertar-se do material, voltar para a natureza, sem ter vergonha”, explica a professora. “Um dos principais objetivos dos cínicos era questionar as normas e valores socioculturais que nos tornam escravos.”
Essa independência não se referia apenas ao material, mas aos desejos, como o desejo da honra, de ocupar cargos políticos e de ter prestígio.
Diferentemente de muitas mulheres da sua época, Hipárquia não ficou dentro de casa. Ela se dedicou a viver como cínica.
“As mulheres na Grécia costumavam se vestir com uma túnica e um manto, o que deixava entrever muito pouco do corpo”, segundo Gardella.
“Mas Hipárquia usava o mesmo que todos os cínicos, apenas um manto duplo, sem túnica. Ela ficava seminua, como Crates, o que era muito escandaloso.”
Em uma ocasião, Hipárquia entrou em um banquete, um espaço tradicionalmente destinado à socialização dos homens. Embora houvesse mulheres no local, elas se dedicavam à dança e à música.
Nessa reunião, Hipárquia teve uma discussão com o filósofo cirenaico Teodoro, o Ateu (340 a.C. – 250 a.C.). Ela apresentou a ele um sofisma, como conta o historiador Diógenes Laércio:
“O que não puder ser considerado ‘prática de injustiça’, quando feito por Teodoro, também não seria chamado de ‘prática de injustiça’, se o fizesse Hipárquia. Quando Teodoro bate em si próprio, não comete uma injustiça; então, Hipárquia também não cometerá injustiça se bater em Teodoro.”
O filósofo não respondeu. Ele preferiu levantar o manto e revelar seu corpo nu, o que não a perturbou.
“Esta é ‘a que deixou a lançadeira junto ao tear’?”, perguntou Teodoro, em referência ao papel tradicional de tecer, exercido por muitas mulheres.
“Sou eu, Teodoro”, respondeu Hipárquia. “Você acha que tomei uma decisão errada ao usar para minha educação o tempo que iria perder no tear?”
Gardella defende que este testemunho é importante porque “é a primeira reivindicação pela educação das mulheres na boca de Hipárquia: não vou perder meu tempo tecendo, não fiz mal em abandonar o tear, vou me dedicar à minha educação.”
Hipárquia escreveu várias obras, mas só chegaram até nós os títulos, como Hipóteses Filosóficas e Perguntas para Teodoro.
Ela viveu no período helenístico, quando as mulheres tinham mais acesso à educação. Por isso, não estranha que ela soubesse escrever, segundo a professora.
“Diógenes elogia a grande cultura filosófica e a elegância de raciocínio de Hipárquia, comparando-a a Platão”, destacam Giulio de Martino e Marina Bruzzese, no livro Las Filósofas: Las Mujeres Protagonistas en la Historia del Pensamiento (“As filósofas: as mulheres protagonistas na história do pensamento”, em tradução livre).
Aretê e o hedonismo
Também no século 4 a.C., encontramos uma filósofa chamada Aretê, filha de Aristipo de Cirene (435 a.C. – 356 a.C.), discípulo direto de Sócrates e fundador da escola cirenaica.
“Trata-se de uma escola hedonista que defende que o propósito da ação não é alcançar a felicidade, como propunham muitos filósofos gregos, mas conseguir o prazer”, explica Mariana Gardella.
“Existem testemunhos de que Aretê assumiu a escola fundada pelo pai, escreveu uma grande quantidade de obras e foi professora de muitos discípulos.”
“Aretê desempenha um papel muito importante na transmissão das doutrinas cirenaicas de geração em geração”, destaca a professora, “mas não temos nenhum testemunho que transcreva palavras que ela tenha dito, nem trechos dos seus tratados.”
Os cirenaicos acreditavam que nossas ações precisam levar a conseguir o prazer e evitar a dor.
“Mas não se trata de satisfazer qualquer tipo de prazer, nem de ir atrás de qualquer prazer, mas, sim, poder fazê-lo com certa medida, para que essa busca não nos destrua”, segundo Gardella.
“Aretê tinha legitimidade entre os cirenaicos e era reconhecida por todos, não só por ser filha e discípula de Aristipo, mas por ser líder da escola e professora de outros cirenaicos.”
“E um dado curioso é que não existem testemunhos de outras mulheres cirenaicas. Aretê é a única filósofa cirenaica de que temos conhecimento.”