- Author, Melissa Hogenboom*
- Role, Da BBC Future
Este foi um dos meus primeiros pensamentos ao me deitar na entrada de uma máquina que está fazendo a varredura do meu cérebro.
Fui instruída a me concentrar em uma cruz preta, enquanto a barulhenta máquina de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) faz o seu trabalho.
Sinto que também parece impossível manter os olhos abertos. O ruído do aparelho é meio que hipnótico e me preocupo um pouco se adormecer irá afetar a aparência do meu cérebro nas imagens sendo geradas pela máquina.
Como jornalista especializada em ciências, sempre fui fascinada pelo funcionamento da mente. Por isso, acabei dentro de uma máquina de ressonância magnética na Universidade de Londres Royal Holloway, para examinar meu cérebro antes de começar um curso de alteração cerebral de seis semanas.
A intenção era investigar se existe uma forma de influenciar a formação de alterações significativas no nosso próprio cérebro. Alterando alguns aspectos do meu dia a dia, eu esperava descobrir se é possível fortalecer conexões fundamentais no cérebro e, paralelamente, tornar a mente mais saudável.
Durante o processo, aprendi técnicas que todos nós podemos usar – com resultados poderosos.
A plasticidade cerebral e a prática de mindfulness
O nosso cérebro tem enorme capacidade de adaptação, aprendizagem e crescimento. Sua natureza é plástica, ou seja, ele muda com o passar do tempo.
Esta característica é chamada de neuroplasticidade, que significa simplesmente a capacidade do cérebro de adaptar-se e evoluir ao longo do tempo, em termos de estrutura e funcionamento.
No passado, acreditava-se que esta capacidade só existisse na juventude, mas agora sabemos que ela é uma força constante que ajuda a formar quem nós somos. E, toda vez que aprendemos algo novo, nosso cérebro se adapta.
Neurocientistas e psicólogos estão agora descobrindo que temos o poder de controlar parcialmente este processo. E existem boas razões para querermos estimular o nosso cérebro – afinal, cada vez mais estudos indicam que é possível retardar ou evitar doenças cerebrais degenerativas desta forma.
Com a ajuda do professor de psicologia clínica Thorsten Barnhofer, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, é exatamente isso que vou fazer. Atualmente, ele realiza um estudo sobre os efeitos da prática de mindfulness (atenção plena) sobre a gestão do estresse e de emoções complexas, com foco especial sobre indivíduos com depressão profunda.
Fiquei surpresa ao saber que algo simples como mindfulness pode desempenhar papel tão importante para manter nossas mentes saudáveis.
Pesquisas demonstraram que a prática de mindfulness é uma forma simples, mas poderosa, de melhorar diversas funções cognitivas. Ela pode aumentar a atenção, reduzir dores e combater o estresse.
As pesquisas também demonstraram que, com apenas alguns meses de treinamento mindfulness, certos sintomas de ansiedade e depressão podem diminuir – embora estes resultados naturalmente possam variar, dependendo das circunstâncias de cada indivíduo, como ocorre com qualquer problema complexo de saúde mental.
Mas os benefícios não param por aí. A prática de mindfulness pode alterar o cérebro. Isso porque, quando o hormônio do estresse – o cortisol – aumenta e seus níveis permanecem altos, “ele pode se tornar tóxico para o cérebro”, segundo Barnhofer.
O estresse também pode inibir diretamente a neuroplasticidade. Por isso, seu controle permite manter a plasticidade cerebral.
Mas a grande questão é a seguinte: será que tudo isso irá funcionar no meu cérebro? E, por seis semanas, Barnhofer adaptou um curso de pesquisa de mindfulness para tentar descobrir.
O treinamento
Todos os dias, por 30 minutos – seja em uma única sessão ou em duas sessões de 15 minutos –, pratiquei meditação mindfulness orientada, ouvindo uma gravação. Tive também uma sessão semanal de meditação com Barnhofer, pela plataforma Zoom.
O curso completo de mindfulness está disponível online, gratuitamente (em inglês).
Fui instruída a manter o máximo de consciência possível no momento presente e prestar atenção àquilo que, normalmente, costumo ignorar, como para onde vão meus pensamentos e o que ocupa minha mente em diferentes momentos.
Ele também me incentivou a ficar mais consciente no dia a dia – quando cozinhar ou correr, por exemplo, concentrar-me realmente no momento presente, trazendo minha mente de volta para o que estava fazendo e observando com que frequência ela costuma vaguear.
O que é fascinante sobre esta área de pesquisa é que a prática de mindfulness, que parece ser um processo muito simples, pode ter efeitos mensuráveis.
“Mindfulness pode amortecer o estresse”, explica Barnhofer. “Você fica ciente dos desafios e das reações mais ruminantes, uma tendência à preocupação.”
Talvez eu não seja uma candidata ideal – meus níveis de estresse, medidos antes e depois do processo, geralmente são baixos – mas, mesmo assim, percebi que houve benefícios.
A fuga dos pensamentos
Assim que iniciei a sessão, achei que fosse fácil por um ou dois minutos. Eu me concentrava na minha respiração ou em partes do corpo, conforme as instruções que recebi. Mas, em algum momento de silêncio, observei minha mente sair em viagens pelo tempo.
Eu pensava em uma conversa que tive com uma amiga semanas antes, depois voava em questão de segundos para uma consulta ao dentista que precisava agendar, depois para um prazo que se aproximava no trabalho… e assim por diante.
Em rápida sucessão, eu conseguia observar a velocidade com que minha mente pulava de um pensamento para outro. E basta acelerar este processo para que ele fique extremamente cansativo.
“As divagações da mente são algo que, naturalmente, pode ajudar de muitas formas”, explica Barnhofer. “Pode nos ajudar com a criatividade, mas pode também trazer maus resultados. E é aqui que entra o pensamento repetitivo, onde entra o pensamento ruminante, onde entram as preocupações. E estes são os fatores que aumentam o estresse depois que ele se instala.”
Quando comecei a observar este ponto, ficou mais claro como esta brilhante capacidade que todos nós tempos de pensar adiante, planejar e nos preocupar pode ser prejudicial se for tomada em excesso. Em outras palavras, revelar o funcionamento da nossa mente é uma primeira etapa, fundamental para nos livrarmos de parte dessa agitação.
Aumentando a plasticidade cerebral
Durante as seis semanas do curso de mindfulness, tratei também de entrevistar outros neurocientistas para meu documentário Brain Hacks (algo como “Gambiarras do cérebro”, em português). Assim, poderia ver se havia outras “gambiarras” que eu poderia começar a praticar.Evidências demonstram, por exemplo, que a meditação e o exercício aumentam a plasticidade cerebral.
Não aumentei meus níveis normais de exercício, mas me esforcei em correr mais rápido – regularmente, 5 km no parque montanhoso vizinho em cerca de 21 minutos. E saber que isso poderia também me ajudar a estimular o cérebro manteve minha motivação.
“A atividade física facilita o processo de plasticidade”, afirma Ori Ossmy, professor de desenvolvimento cognitivo e do cérebro da Universidade de Londres Birkbeck. “Se você combinar [a atividade física] com tarefas cognitivas para melhorar as técnicas do seu interesse, provavelmente conseguirá aprimorar seu desempenho.”
Tudo isso faz sentido se considerarmos a relação próxima entre a saúde do corpo e do cérebro, segundo Gillian Forrester, professora de cognição comparativa da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Para ela, “nossa saúde física e a saúde mental são totalmente entrelaçadas para criar a qualidade de vida”.
E a saúde física também está relacionada à saúde cognitiva. Cientistas como Forrester estão aprendendo a observar a ligação entre o corpo e o cérebro em ação estudando os bebês.
No recém-formado laboratório Baby Lab, na Universidade Birkbeck, Forrester mostra seu mais recente projeto, chamado Baby Grow. O estudo irá monitorar o desenvolvimento dos bebês nos seus primeiros 18 meses de vida, para identificar sinais de distúrbios cognitivos antes que eles se tornem evidentes.
Mas por que é importante estudá-los tão cedo? Bem, a resposta também tem relação com a neuroplasticidade.
O cérebro da criança é excepcionalmente plástico nos seus primeiros anos de desenvolvimento. Novas conexões e redes neurológicas são criadas em velocidade frenética, à medida que as crianças crescem e aprendem sobre o ambiente à sua volta.
Isso significa que, potencialmente, é muito mais fácil intervir, em caso de necessidade, durante esta fase altamente plástica. E este é um dos motivos que levaram Forrester a acreditar que é muito importante aprender mais sobre os processos do dia a dia que ajudam a modelar o cérebro.
A mesma ideia também surge quando os pacientes estão se recuperando de lesões cerebrais sérias. Para saber mais, entrevistei Angelo Quartarone, diretor científico do Centro Neurolesi Bonino Pulejo, um centro de tratamento de lesões cerebrais na Sicília (Itália). Quartarone observa a plasticidade cerebral em ação todos os dias.
“Mesmo nas piores condições, o cérebro ajuda a se reparar de alguma forma… com a neurorreabilitação, podemos acelerar a recuperação”, ele conta.
Sua equipe emprega diversos métodos de reabilitação assistida, incluindo robótica, realidade virtual e aplicação de correntes elétricas no cérebro.
“Uma corrente elétrica minúscula pode interagir com os mesmos mecanismos empregados pelas técnicas de neurorreabilitação”, explica ele. “Com isso, você consegue um duplo incentivo.”
Fiquei surpresa ao observar que um dos seus pacientes, que havia perdido a força dos membros do lado direito, conseguiu formar novas conexões neurais com jogos de simulação em computador. Eles o ajudaram a ganhar novamente capacidades motoras que estavam perdidas.
Este tipo de aperfeiçoamento cerebral pode ensinar algo para todos nós.
É evidente que praticar novas habilidades e nos expormos regularmente a novas situações ajuda o cérebro a continuar crescendo e adaptando-se. Foi assim que acabei pedindo tomate seco em italiano no restaurante e tive uma aula rápida sobre como tocar um pandeiro tradicional siciliano, antes de me sentar na base do monte Etna para meditar.
É claro que preciso destacar uma enorme ressalva. Sou uma amostra de uma pessoa – e grande parte do que aconteceu foi ilustrativo, não científico.
Os resultados
Ao final das seis semanas, fiquei extremamente curiosa para saber se todo este trabalho teve algum efeito sobre o meu cérebro.
Depois de outra ressonância do cérebro e de alguma hesitação para saber o que poderia ter acontecido na minha cabeça durante as semanas de intervenção, visitei Barnhofer na Universidade de Surrey para descobrir. Ele ficou até altas horas da noite analisando e comparando as duas imagens do meu cérebro.
Ele encontrou resultados: a estrutura do meu cérebro, de fato, havia se alterado. E algumas mudanças mensuráveis podiam ser observadas.
O volume de metade da minha amígdala – uma estrutura em forma de amêndoa, importante para o processamento das emoções – foi reduzido no lado direito. A alteração foi pequena, mas mensurável.
O impressionante é que esta alteração está de acordo com a literatura científica, que demonstra que as técnicas de mindfulness amortecem o estresse observado nas amígdalas, podendo reduzir o seu tamanho.
Quando o nosso estresse aumenta, as amígdalas crescem. Eu não me sentia particularmente estressada, mas, mesmo assim, foi fascinante observar esta alteração.
A outra mudança ocorreu no meu córtex cingulado, que é a parte do sistema límbico envolvida nas nossas reações emocionais e comportamentais. Ele também é importante para a rede de modo padrão, uma região que fica ativa quando a mente começa a vaguear e ruminar.
No meu cérebro, o córtex cingulado aumentou levemente de tamanho ao longo das seis semanas, o que indica aumento do controle daquela área.
Esta alteração também coincide com estudos publicados na literatura científica. E vem de encontro às minhas observações durante as sessões. Com o passar do tempo, percebi que conseguia manter minha mente mais descansada – eu conseguia afastar melhor os pensamentos agitados.
Foi surpreendente observar estes resultados no meu cérebro em uma tela grande, bem à minha frente. Apenas com as técnicas mindfulness, consegui aumentar uma parte do cérebro que evita que minha mente vagueie demais.
Cabe aqui uma advertência: é importante reconhecer que qualquer alteração cerebral observada pode ter sido aleatória. Afinal, o cérebro está em constante mutação.
Mas os estudos indicam que a experiência como um todo valeu a pena. É um processo do qual muitas pessoas podem facilmente se beneficiar.
É claro que, para que as alterações sejam duradouras, preciso continuar me forçando a fazer algumas daquelas “gambiarras”.
Se vou continuar a meditar todos os dias? Eu realmente adoraria dizer: “claro que sim”. Mas isso, se a vida permitir…
*Com colaboração de Tom Heyden e Pierangelo Pirak.