Um único clique e, de repente, a porta da sua casa se abre, todas as luzes se acendem e, como um passe de mágica, começa a tocar a sua música predileta. Essas são algumas das comodidades das chamadas casas inteligentes, também conhecidas como smart homes. São residências, que até então eram vistas como as “casas do futuro”, mas que atualmente já fazem parte do presente de muitos brasileiros — um presente cada vez mais tecnológico, prático e eficiente.
Embora as residências inteligentes tragam uma série de benefícios, principalmente para quem considera o tempo algo primordial na sua interação diária, a conexão entre automação residencial e tecnologia tem deixado vulnerável um “canto” quase imperceptível em moradias que se dispõe de lares inteligentes: a proteção digital dessa interconectividade.
Outra consequência da automação residencial tendo sido o aumento no valor dos bens, já que as chamadas casas inteligentes são “construídas” a partir de itens tecnológicos, que, na sua maioria, possuem alto valor de custo e instalação, ou seja, itens suscetíveis a roubos e furtos.
Diante dos riscos apresentados pelos dispositivos inteligentes, o tradicional Seguro Residencial, até então usado na proteção contra incêndios, roubos, danos elétricos e etc., se viu em meio a novos desafios de mercado. O maior deles é oferecer uma cobertura abrangente para os chamados “seguros digitais residenciais”.
Casas inteligentes alavancam procura por seguro residencial
Um levantamento feito pela Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), entre os anos de 2017 e 2021, apontou um aumento de 25% no Índice de Penetração (IP) dos Seguros Residenciais no Brasil. Já a participação, que era de 13,6% no primeiro ano da série histórica, pulou para 17% — o que representa 12,7 milhões de residências seguradas em todo país.
Curiosamente, esse aumento na procura por seguros residenciais aconteceu em um período de maior adesão da população e das grandes empresas aos modelos de trabalho híbrido ou remoto. Com as atividades de trabalho sendo feitas à distância, as residências se transformam em uma extensão dos escritórios, com equipamentos tecnológicos conectados e que, na sua maioria, possuem um alto valor de custo.
Para o corretor de seguros Fábio Lima, que trabalha no segmento há mais de 20 anos, o perfil de quem busca um seguro residencial não é mais o mesmo e essa mudança veio em meio a uma grande adesão às casas automatizadas.
Fábio esclarece que, atualmente, o tradicional seguro residencial possui uma cláusula específica para cobrir danos aos equipamentos de escritório em residência, porém o mesmo ainda não possui cláusulas específicas para casas inteligentes.
“O seguro residencial ainda não é específico para uma casa automatizada. No momento, ele é incluído no pacote de proteção a danos físicos. Durante a pandemia, por exemplo, muita gente trabalhou em home office e, nos dias atuais, os seguros residenciais já possuem uma cláusula para equipamentos de escritórios em casa. Esse cenário já exige que o mercado ofereça um seguro mais robusto para cobrir equipamentos tão caros e importantes. Por enquanto, o atual seguro residencial cobre apenas danos físicos aos equipamentos, por exemplo, roubos, danos elétricos, incêndios e etc.”, explicou.
O corretor pontua que outro desafio para o segmento é a criação de uma cláusula específica para cobrir ameaças de cibersegurança e proteger a interconectividade das casas inteligentes.
“Temos dois cenários para seguros de uma casa tecnológica. Se for uma casa totalmente automatizada e informatizada, além dos danos físicos aos equipamentos, podemos ter alguma invasão hacker ou algo dessa natureza. O cliente teria que fechar dois contratos diferentes: o primeiro seria para cobrir os danos físicos causados aos equipamentos e o segundo seria para proteger contra os danos em ataques cibernéticos”, teoriza o especialista, exemplificando como isso aconteceria na prática.
‘”Por exemplo, houve um incêndio na casa e todos os equipamentos, incluindo os eletrônicos, foram queimados, vai ter um seguro para cobrir todos esses danos, que podemos chamar de “físicos”. Outro seguro seria para os danos cibernéticos, onde a pessoa teria uma apólice para amparar perdas financeiras, diante de supostos ataques virtuais ou até mesmo numa invasão que resulte em um vazamento de dados. Esse seguro cibernético ainda não está incluso nos pacotes oferecidos pelo tradicional Seguro Residencial”.
Seguro para ambientes inteligentes já é usado por grandes empresas
Fábio também explica que o mercado já oferece uma cobertura específica para ataques em ambientes inteligentes, mas esse serviço é voltado e considerado obrigatório para grandes empresas, bancos e instituições financeiras.
“O mercado já oferece um seguro específico para ataques cibernéticos em ambientes inteligentes, mas é voltado para grandes empresas e instituições financeiras. Esse tipo de seguro é praticamente obrigatório, por exemplo, em bancos e empresas de cartões de crédito. Após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), é necessário que todo ambiente que lida com dados garanta a integridade e privacidade das pessoas, seja em qualquer segmento. Eu tenho certeza que, em um futuro muito próximo, essa também vai ser uma cláusula obrigatória na cobertura dentro do tradicional seguro de residência”.
Vulnerabilidade digital: Brasil registrou aumento de 38% em ataques ciberténicos
A vulnerabilidade digital ainda é o maior medo de quem tem uma casa tecnológica. Conforme as residências vão se tornando cada vez mais automatizadas, possíveis invasores também se adaptam aos novos mecanismos tecnológicos. Se por um lado, a tecnologia ajudou a proteger contra o invasor físico [roubo, furtos e incêndios], ela também trouxe a ameaça de invasões cibernéticas.
Uma recente pesquisa feita Check Point Research aponta que o Brasil registrou um aumento de 38% no número de ataques cibernéticos no primeiro trimestre de 2024 em relação ao último trimestre de 2023. Os números estão acima da média global, que registrou um aumento de 28% nos três primeiros meses deste ano. Os dados ainda mostram que houve uma elevação de 5% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
“Quanto mais as causas ficarem automatizadas, mais ataques cibernéticos devem acontecer e mais prejuízos vão causar aos proprietários. E o que faz aumentar ou diminuir o valor do seguro é justamente o prejuízo que está causando à seguradora e o risco associado à residência”, explica o corretor Fábio Lima .
Mercado de casas inteligentes é emergente e necessita de normativas contra danos digitais
O avanço de novas tecnologias de automação tem despertado o interesse de pessoas que estão longe dos ambientes corporativos. A migração da tecnologia para dentro das residências transformou a forma como as pessoas controlam atividades básicas, como, por exemplo, um simples apagar de uma lâmpada.
Um recente levantamento sobre tecnologia da Informação e Comunicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/TIC), feito pelo IBGE em 2022, mostra que cerca de 9,9 milhões das moradias conectadas à internet no Brasil contam com algum tipo de aparelho “inteligente”. Já uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial (Aureside), em 2022, aponta para a existência de mais de 300 mil casas inteligentes em todo o Brasil.
“O uso da tecnologia dentro das residências está sendo alavancado por uma busca constante da população pelo conforto e praticidade. Inclusive, algumas construtoras estão deixando toda uma estrutura pronta para que as residências e os apartamentos recebam essa automação. Essa estrutura, que reflete em inovação no meio da construção, já culminou em um aumento do valor dos imóveis”, disse Dilson Duarte, proprietário de empresa de automação residencial”.
Já para corretor de seguros Rodrigo Maranhão, os dados citados acima evidenciam a necessidade de um seguro contra danos cibernéticos. O tema, segundo o corretor, é desconhecido por grande parte dos corretores, mas deve ganhar força nos próximos anos.
“Há necessidade que o seguro contra danos cibernéticos seja incluído na cobertura básica do seguro residencial tradicional. Também é necessário a discussão de normativas para esse tipo de seguro. Paras os corretores e seguradoras, é necessário saber qual seria o alcance do Seguro Residencial Digital. O atual seguro residencial serve para dar cobertura ao bem e não especificamente a uma tecnologia que a casa tem. As apólices de seguros residenciais visam repor os bens, porém esses bens se tornaram digitais e é necessário compreender essa mudança “, defende Rodrigo.
Os riscos e ameaças à segurança de casas inteligentes
À medida que mais residências inteligentes se estabelecem no meio urbano, elas se tornam alvos atraentes para cyberattacks. Um único ataque cibernético teria implicações generalizadas e, em alguns casos, os danos causados podem ser irreversíveis.
Um ataque bem-sucedido a um ambiente inteligente pode resultar na falha de um ou de vários dispositivos. Em um cenário mais crítico, o proprietário poderá ter seus dados vazados ou sequestrados. Em uma casa conectada, um ataque pode desabilitar, por exemplo, dispositivos essenciais de segurança. O quadro abaixo, traz os principais riscos, de acordo com especialistas. Confira:
Para o especialista em Gestão de TI e mestrando em Ciência da Computação, Gercino Sátiro P. Filho, os recursos usados na automação de residências inteligentes podem influenciar na vulnerabilidade digital do ambiente e facilitar possíveis ataques cibernéticos.
“Os riscos digitais podem ser registrados em captura de informações de acesso, tipo senha, ou até mesmo a combinação de uma senha com um som ou uma característica digital. Mas essas ameaças são expostas devido diante do nível de grau de preocupação do projeto do fabricante. Então, se ele tem uma abertura não muito crítica, os recursos de automação dessas casas inteligentes ficam sujeitos à invasão. Vale destacar que esse conceito de ambiente inteligente é bem amplo. A depender do nível de tecnologia envolvida, se for um imóvel digital inteligente, as centrais que controlam esse ambiente estão suscetíveis a roubo de senhas e dados” .
Gercino cita que em algumas situações o invasor pode aproveitar de uma falha de proteção do sistema digital e conseguir tomar o controle das ações que foram automatizadas.
“Já acompanhei dois casos de ataques cibernéticos em residências que considero emblemáticos. No primeiro deles, a residência foi acessada pelo chaveiro, através de ondas de rádio em um tipo de automação mais antiga. O invasor conseguiu simular a mesma frequência e abrir os portões da casa. Ele conseguiu fazer furto na área externa, levando uma bicicleta e outros bens. O outro registro foi uma invasão via Wi Fi em área de cobertura, onde não tinha uma proteção devida e bem criptografada. Através de força bruta, usada na área de software, ele conseguiu quebrar a senha e teve acesso à rede interna da casa. Ele conseguiu desligar a central que comandava as cortinas da casa”.
Sobre a proteção dos danos causados por um eventual ataque cibernético em um ambiente inteligente, o especialista explica que a procura por um seguro residencial digital pode revelar ao segurado um patrimônio digital que poucos conhecem.
“Na maioria dos casos, o bem digital de maior importância são as senhas. Elas vão dar acesso a um série de informações. Essas informações, se caírem em mãos de pessoas com habilidade, serão usadas para invadir contas bancárias e dados importantes de atividades profissionais. Um seguro para proteger aquilo que, porventura, possa ser subtraído dessas informações seria uma excelente oportunidade. No caso de um cyber seguro ou de um seguro residencial digital, o segurado ficaria ciente de um universo digital que poucos conhecem. Muitos sabem como é perder a senha de e-mail ou de uma casa, porém o patrimônio digital é muito amplo e os danos vão além que a perda de uma simples senha. Dentro de ambientes automatizados, dependendo do nível de automação, é possível fazer comandos que coloquem em risco toda a família”.
Quais seriam as vantagens de um seguro residencial digital?
Ter um seguro residencial é uma forma de garantir mais tranquilidade e segurança dentro do ambiente familiar. Atualmente, esse seguro já oferece diversas coberturas e benefícios que podem fazer a diferença em casos de imprevistos ou eventuais danos físicos causados em lares inteligentes.
No mesmo contexto, o Cyber Seguro, que é voltado para empresas, oferece um serviço que poderia seria usado como base na proteção de casas inteligente (veja abaixo). Na modalidade, a empresa como as pessoas físicas responsáveis pela gestão de dados podem estar seguradas e amparadas.
- Roubo ou sequestro de informações, via sistema de computador;
- Roubo ou furto de hardware (computador, telefone e etc.) por um terceiro;
- Violação da LGPD e da Política de Dados Pessoais;
- Reclamações por publicações de conteúdo confidencial ou privado;
- Uso indevido de informações confidenciais;
- Falta de disponibilidade de sistemas;
- Destruição, modificação, corrupção e eliminação de dados armazenados em qualquer sistema de computador.