Mais da metade dos professores que atuam nas escolas estaduais do Brasil é contratada de forma temporária, ou seja, sem garantia de estabilidade e sem possibilidade de progressão na carreira. O dado foi divulgado nesta quinta-feira (22) durante apresentação do Censo Escolar 2023, pelo Ministério da Educação.
O levantamento mostra que as redes estaduais de ensino do país têm 690.406 professores, sendo 51,6% deles contratados de forma temporária. Os docentes contratados por concurso, portanto efetivos nos cargos, são apenas 46,5% do total.
É a primeira vez que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão do ministério que é responsável pelo censo, reúne informações sobre o tipo de contratação dos professores da educação básica.
Especialistas avaliam que esse tipo de contratação faz com que os professores atuem em condições mais precárias, o que, consequentemente, reflete nos resultados educacionais dos estudantes.
As redes estaduais são responsáveis por 30% das matrículas da educação básica do país. No ensino médio, etapa com piores indicadores de qualidade no Brasil, elas concentram 83,6% dos estudantes.
Os dados mostram que a maioria das redes estaduais de ensino já trabalha com mais professores temporários do que efetivos. A situação ocorre em 15 das 27 unidades da federação.
A contratação temporária é prevista na legislação nacional e foi liberada para que as redes de ensino pudessem ter profissionais disponíveis para atuar nas escolas quando os efetivos tiverem que se afastar por questões médicas ou para assumir outros cargos na educação.
A forma de contratação que deveria ser a exceção se tornou majoritária em quase todas as redes estaduais do país. Minas Gerais é o estado com o menor percentual de docentes concursados, apenas 19,2%.
Tocantins, Acre, Espírito Santo, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul também contam com menos de um terço dos professores contratados de forma efetiva.
“É um número excessivamente alto e desproporcional de profissionais temporários, atuando em um cargo em que a estabilidade e a previsibilidade são fatores determinantes para um bom trabalho. A instabilidade na contratação traz prejuízos pedagógicos enormes”, diz Márcia Jacomini, professora da Unifesp.
As redes estaduais contam com prazos diferentes de contratação de temporários. Algumas contratam temporários por apenas um ano, outras por dois ou três anos. Jacomini explica que, independentemente do tempo, quando esses contratos se encerram, as escolas sofrem com a troca ou ausência de profissionais.
“Não é possível fazer um trabalho pedagógico com constância, se o quadro de professores muda todo ano. A educação precisa de estabilidade, de previsibilidade, é preciso montar uma equipe de confiança e bem alinhada. Se não há estabilidade entre os profissionais, a escola fica sujeita a mudar a cada ano”, diz.
Com a maior rede de ensino do país, o estado de São Paulo tem mais de 162 mil professores, sendo 50,7% com contratos temporários. Neste ano, as aulas começaram com milhares de docentes temporários sem trabalho depois de mudanças no processo de atribuição de aulas.
Enquanto esses profissionais estão sem trabalho, os alunos também foram prejudicados já que não tinham professor para dar todas as aulas previstas.
Além da instabilidade quanto à garantia de trabalho, os temporários também não são contemplados nos planos de carreira dos governos estaduais. Ou seja, eles não têm a chance de progredir e, consequentemente, alcançar salários mais altos.
“É uma forma de contratação mais barata, por isso, os estados preferem ter mais temporários. Mas isso resulta em desvalorização, fazendo com que os bons profissionais abandonem a carreira docente”, afirma Jacomini.
Haroldo Rocha, coordenador do movimento Profissão Docente, avalia que o país precisa de uma regulação melhor para os professores temporários. Apesar desse tipo de contrato ser previsto em lei, não há uma regra geral sobre o tempo de contratação ou direitos que devem ser assegurados.
“O país precisa de uma boa legislação federal para regular essa questão e garantir que esses profissionais, que são tão importantes para a educação, tenham acesso a direitos fundamentais, como licenças médicas, férias”, diz.
Ele também destaca que os profissionais temporários são importantes para o funcionamento das escolas, mas diz que é preciso um planejamento mais adequado para equacionar os diferentes tipos de contratação.
“Os estados precisam ter um planejamento melhor, não podem ficar anos sem contratar efetivos e depois fazer um concurso para selecionar uma multidão de professores. Porque, além de deixar as escolas sem profissionais fixos, acaba fazendo processos seletivos que não vão selecionar os melhores professores”, explica.
O governo de São Paulo, por exemplo, ficou dez anos sem contratar efetivos. No ano passado, depois de enfrentar uma crise de falta de professores, fez um concurso com a previsão de convocar 15 mil docentes. A contratação deles, no entanto, só está prevista para 2025.